quarta-feira, 7 de março de 2018

Inimigos


 O apelido de Maria Tereza, para Norberto, era Quequinha. Depois do casamento, sempre que queria contar para os outros, uma de sua mulher, o Norberto pegava na sua mão, carinhosamente, e começava: 
- Pois a Quequinha... 
E a Quequinha, dengosa, protestava: 
-Ora, Beto! 
Com o passar do tempo o Norberto deixou de chamar a Maria Tereza de Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia: 
-A mulher aqui... 
Ou, às vezes: 
-Esta mulherzinha...
 Mas nunca mais Quequinha.

(O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca o silêncio. O tempo usa armas químicas).

Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por Ela. 
-Ela odeia o Charles Brason. 
-Ah, não gosto mesmo. 
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chama-se de Ela, ainda usava um vago gesto de mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer ‘essa ai’ e a apontava com o queixo. 
- Essa ai...
 E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém.

(O tempo, o tempo. Tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois cura)

Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, O Norberto nem olha na direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz: 
- Aquilo...”

VERÍSSIMO, Luis FernandoNovas comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996.