“Te desejo toda a felicidade que
puder aguentar”. Foi com essa frase que uma pessoa que gosta de mim encerrou
seu e-mail, e fiquei petrificada diante do computador, um pouco pela explosão
de gentileza de alguém que nem conheço, e outro tanto pela contundência que
me fez pensar: Quanta felicidade eu aguento?
Desde que lancei um livro com a
palavra “feliz” no título (a coletânea de crônicas “Feliz por Nada”, de 2011)
que respondo até hoje a uma infinidade de entrevistas com esse mote: O que é,
afinal, ser feliz?
Bom, quando estou triste, estou feliz.
Não sei se isso responde.
Felicidade não tem a ver com oba-oba,
riso frouxo, vida ganha. Isso é alegria, que também é ótima, mas que não tem
a profundidade de uma felicidade genuína que engloba não só a alegria como a
tristeza também. Felicidade é ter consciência de que estar apto para o
sentimento é um privilégio, e que quando estou melancólica, nostálgica,
introvertida, decepcionada, isso também é uma conexão com o mundo, isso
também traz evolução, aprendizado.
Feliz de quem cresce. Mesmo aos
trancos.
Infelicidade,
ao contrário, é inércia. A pessoa pode passar a vida inteira sem ter sofrido
nada de relevante, nenhuma dor aguda, mas atravessa os dias sem entusiasmo,
anestesiada pelo lugar-comum, paralisada por seu próprio olhar crítico, que
julga os outros sem nenhuma condescendência. Para ela, todos são fracos,
desajustados ou incompetentes, e não sobra afetividade nem para si mesma: se
está sozinha ou acompanhada, tanto faz. Se lá fora o sol brilha ou se chove,
tanto faz. Se há a expectativa de uma festa ou a iminência de uma indiada,
tanto faz.
Essa indiferença em relação ao que os
dias oferecem é uma morte que respira, mas ainda assim, uma morte.
Eu reajo, eu me movo, eu procuro, eu
arrisco – essa perseguição a algo que nem sei se existe é a uma homenagem que
presto à minha biografia. Nada me amortece, tudo me liga, tanto aquilo que dá
certo como também o que dá errado. Felicidade é uma palavrinha enjoada, que
remete só ao bom, mas dou a ela outro significado: é uma inclinação
abrangente e corajosa para a vida, que nunca é só boa.
Já a infelicidade é uma blindagem
contra o encantamento, é negar-se a extrair das miudezas o mesmo feitiço que
as grandezas proporcionam.
Eu celebro o suco de laranja matinal,
o telefonema de uma amiga, a saudade que eu sinto de algumas pessoas, o sol
caindo no horizonte, a luz que entra pela janela do quarto ao amanhecer, a
música que escuto solitária e que me remete a uma inocência que já tive – e
pelo visto ainda tenho. Celebro o já vivido e o que está por vir, as risadas
compartilhadas e o choro silencioso, e todas as perguntas que um dia talvez
sejam respondidas.
Como esta: Quanta felicidade eu
aguento? Não sei. Que venha. Recusá-la é que não vou.
Martha Medeiros
|