Geralmente,
quando uma pessoa exclama Estou tão feliz!, é porque engatou um novo
amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os
quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo
torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as
novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenaspor atingimento
de metas. Muito melhor é ser feliz por nada. Digamos:
feliz porque maio recém começou e temos longos oito meses para fazer de
2010 um ano memorável. Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz
porque alguém o elogiou.
Feliz
porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não
magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há
lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama.
Esquece.
Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz
por nada, nada mesmo?
Talvez
passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade
inferniza.
“Faça
isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo
mesmo caminho?
Particularmente,
gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar
as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim
alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando
alegre, é possível ser feliz também. Não estando “realizado”, também.
Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma.
Consciência.
É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto,
é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti
nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos
colaterais de se estar vivo.
Benditos
os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não
terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não
se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem
sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa,
então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De
querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre.
Adequação e liberdade
simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina.
Para que se consumir tanto?
A vida não é um
questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao
mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito,
que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer.
Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado
e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez
seja isso.
Martha
Medeiros
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