Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento
sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi, encontrei um
amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das
nuvens, estava um luar lindo, de Lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a
cidade eram, vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem
irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o taxista aproveitou um sinal
fechado para voltar-se para mim:
– O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem
mesmo luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma
outra, pura, perfeita e linda.
– Mas, que coisa. . .
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de
chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhava em ser
aviador ou pensava em outra coisa.
– Ora, sim senhor. . .
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse uma “boa noite" e
um "muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eu
lhe tivesse feito um presente de rei.
(BRAGA, Rubem). A outra noite. In: PARA gostar de ler:
crônicas. São Paulo: Ática, 1979.
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